A Metamorfose - II
Ou Kafka ao avesso
Ou A História Secreta de um Galã
Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Reynaldo Gianecchini deu por si transformado em um galã de novela. Estava deitado de costas, e, ao levantar um pouco a cabeça, pôde ver o peitoral desenvolvido, bem diferente do que tinha visto no espelho na noite anterior. Por um segundo, Reinaldo imaginou estar sonhando. Levantou novamente a cabeça, e viu os braços, musculosos, que também eram completamente diferentes dos braços mirrados que tivera durante toda a vida.
Que me aconteceu? - pensou. Olhou em volta - estava no mesmo velho quarto no qual dormira na noite anterior, com as mesmas paredes já um pouco encardidas pelo tempo. Se encontrava deitado na mesma cama de casal na qual sempre dormia, sozinho. Achou estranho que estivesse enxergando tão bem, apesar de não estar usando óculos. Por instinto, pegou os grossos óculos de míope que deixara na mesa de cabeceira e os colocou, surpreendendo-se ao perceber que realmente não estava mais míope e que os óculos lhe eram completamente inúteis.
Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro. Olhando-se no espelho, viu que seu rosto mudara completamente. As espinhas e as olheiras desapareceram, e o nariz adunco tinha dado lugar a um nariz proporcional e alinhado ao resto da face. O queixo tão pequeno, que o deixava parecido com uma caricatura, dera lugar a um queixo quadrado. Observando sua nova face, Reynaldo não pode esconder um sorriso, e ao sorrir, percebeu que os dentes estavam brancos e alinhandos, em contraste com os dentes amarelados e encavalados que tinha anteriormente.
um início de euforia tomou conta dele, mas logo foi substituída por uma preocupação. "Como vou ao trabalho hoje?" - pensou. "Ninguém vai acreditar que sou eu mesmo. De fato, toda a minha vida está arruinada. Meus documentos com fotos nada valem. Até minha impressão digital deve ter mudado!". Com esse pensamento em mente, Reynaldo abriu a velha torneira de metal, deixando a água escorrer pela pia branca, tão velha que podia-se ver as pequenas rachaduras em sua superfície, típicas de cerâmicas antigas. Como que querendo que tudo aquilo voltasse atrás, Reynaldo jogou água no rosto para ver se acordava daquilo que começava a parecer-lhe um pesadelo. Ao olhar seu rosto novamente no espelho, entretanto, percebeu que nada mudara e que continuava bonito. Reynaldo nunca imaginara que acordar bonito um dia poderia lhe causar tantos problemas, antes mesmo de sair de casa.
Reynaldo voltou para o quarto e, sentindo seu estômago roncar, lembrou-se que a geladeira e a despensa estavam vazias. Resolveu, então, descer e comprar algo para comer. Abriu o armário, e se deu conta que todas as suas camisetas estavam pequenas agora, pois foram compradas para caber no seu corpo antigo, pequeno e franzino. Vestiu a maior regata que encontrou, e mesmo assim ainda lhe pareceu que estava meio justa ao corpo. Encontrou um short largo que ganhou a muito tempo atrás de uma tia que só o via uma vês por ano, no natal, e sempre lhe dava roupas do tamanho errado. Cueca nem pensar. Nenhuma delas caberiam. Vestiu apenas o short, calçou um chinelo que ficou pequeno em seu pé, pegou sua carteira e desceu.
Ao chegar ao térreo, o porteiro o viu e disse: "bom dia, seu Reinaldo!". Isso o deixou ainda mais intrigado, e, ao mesmo tempo, eufórico. Queria dizer, então, que as pessoas o estavam reconhecendo com a sua nova aparência nova! Fantástico! Reynaldo não conseguiu nem responder, limtando-se a um gesto com a mão.
Foi rapidamente à padaria, mal conseguindo conter a emoção. Ao chegar lá, notou que as balconistas os observavam e cochichavam, escondendo os risos. Chegou perto delas e por um instante lhe pareceu que as duas se empurravam para ver qual delas o atenderia. Ele olhou envergonhado para uma das duas e pediu, gaguejante: "Me-me dá 3 pãezinhos e u-um litro de leite", surpreendendo-se com a própria voz, que não era mais anasalada como antigamente. Pegou os pacotes, pagou a conta no caixa e voltou para casa.
Enquanto passava pela portaria o porteiro novamente o cumprimentou: "ê seu Reynaldo, o pãozinho tá fresquinho?". Reynaldo apenas sorriu e entrou no elevador. Enquanto a porta estava fechando, ele ouviu o porteiro gritar lá de fora: "Seu Reynaldo, a sua esposa já voltou!".
"ESPOSA???" - pensou. Só lhe faltava essa! Estava radiante. Como seria essa esposa? Devia ser linda. Uma deusa, talvez parecida com a Ellen Roche ou com a Sharon Stone. Ao chegar no seu andar, ele correu para o apartamento e, ao entrar, ouviu um barulho de chuveiro. Correu para o banheiro, e entrou. O Boxe estava com o vidro embaçado, e ele só pode ver o vulto de uma mulher alta e loira tomando banho. Só de ver aquele vulto nu, Reynaldo ficou até excitado. Falou: "querida, cheguei!", enquanto abria a porta do boxe. Ao olhar para a sua esposa, no entanto, Reynaldo levou o maior susto da sua vida, e desmaiou.
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Reynaldo estava flutuando num lugar escuro. Apesar de escuro, o lugar onde estava não era frio. A temperatura era agradável, mas para qualquer lado que olhasse, Reynaldo via apenas a escuridão. De repente, ele viu uma luz se aproximando, ao longe. Conforme a luz se aproximava, ele pode perceber que havia uma figura humana lá dentro. Quando ela chegou perto, ele pode perceber que era uma mulher, muito bonita, a verdadeira personificação da beleza. Sua presença lhe confortava. Ela lhe olhou, sorrindo, e disse, numa voz melodiosa que soava como música aos seus ouvidos:
"Reynaldo, eu sou seu anjo da guarda. Não tenho muito tempo por isso vou ser breve. Eu te acompanho desde que nasceu e sei que seu sonho sempre foi ser um galâ de TV, e sei também que você sempre sofreu por causa da sua aparência. Eu, como seu anjo da guarda, procurava maneiras de poder lhe ajudar mas você deve bem saber, do jeito que você era feio, ficava muito difícil. Mas ás vezes o nosso Pai resolve interceder pela gente, e ele me permitiu que eu lhe transformasse num homem bonito.'
'Você vai ser o homem mais bonito do Brasil, Reynaldo. As mulheres vão babar por você. Você vai ser um bem sucedido galã de novela e vai contracenar com as mais belas atrizes da Tv. Você vai ter a vida que sempre sonhou.'
'Mas tudo isso não poderia vir de graça, e nosso pai tem senso de humor. Por isso ele decidiu que você poderia se tornar um galã, mas com uma condição: você teria que ser casado com a Marília Gabriela. As condições dele são essas: fique com ela e você continua sendo um galã. Separe-se e você vai voltar a ser baixinho, franzino e feioso. A escolha é sua".
Nisso Reynaldo acordou. Olhou para cima e a Marília Gabriela sorria para ele, falando: "O que houve meu amor, desmaiou? Deixa eu dar um beijinho que passa!".
E até hoje Reynaldo tem saudades do tempo em que era feioso.